quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Oficina de Palhaço/Clown

Domingo de sol, no NEFA (Núcleo Experimental de Formas Animadas), encontro vários colegas de teatro de Itajaí e algumas pessoas que não conhecia. Aparece um homem entroncado, baixinho, um pouco calvo, com sobrancelhas grossas e um olhar nu. Pepe Nunes chama a todos para fazer um círculo, enrola uma folha de jornal que formando uma espécie de bastão seria a nossa companheira/carrasca durante os dias seguintes toda vez que alguém chegasse atrasado ou que por alguma desatenção cometesse um erro nos exercícios levaria uma generosa jornalada. Primeira lição... O palhaço se expõe e se deixa afetar.

Cada um a sua vez, faz algo bem feito logo de inicio, no meio do círculo, e somos em seguida aplaudidos pelos colegas. Os exercícios vão aparecendo, uma maneira de pular corda em que cada integrante do grupo é necessário, uma variação de o rei mandou só que menos déspota chamada “Jack falou”, o “Flick Flack” com ritmo e concentração em mais de uma coisa ao mesmo tempo e se algum(a) infeliz cometesse por desatenção um erro, lá vinha uma bela jornalada. Em meio a tudo isso aprendemos que o palhaço trabalha com a genitália , com o estômago, com o coração e com um pouquinho do cérebro apenas o suficiente para não ser alienado e não ser manipulado pelos outros. Que o 3 é o número sagrado do palhaço, e que freqüentemente uma gag se repete três vezes antes de se concluir.Que a lógica do palhaço é ir sempre pelo mais complicado sem ter consciência disso.

Eu, num exercício de narração improvisada que não é mencionado no texto.

O trabalho com o nariz nos conduzia para improvisações em frente a um público, o que nos deixava num grau altíssimo de exposição. A menor máscara do mundo é a que menos esconde e a que mais revela. Pepe me chama, vou para trás do biombo coloco um chapéu e um nariz vermelho. Respiro fundo. Sei que tenho que deixar e mente aberta para o que vai acontecer dentro de alguns instantes. Bato no tambor pedindo autorização para entrar. Saio do biombo, paro em frente aos meus colegas, encaro eles, e procuro em seus olhares revelar o meu olhar, estou com um nariz de palhaço. Abro os braços num sinal pedindo a aceitação através de aplausos...recebo muitos aplausos, bravos, gritos de lindo e gostosão...me deixo afetar. E recebo muita energia, embora teve momentos em que me fechei , a emoção estava à tona. O público pode ver quando me fechei em couraças invisíveis ou me permiti ser afetado pelas circunstâncias. Depois saio e antes de ir embora um até logo, pois o palhaço nunca diz adeus e sim até mais.

Os dias passam as jornaladas são freqüentes, mas há um progresso nos exercícios. O grupo vai ficando íntimo e trabalhando o ridículo em cada um. E há tanto de ridículo no ser humano.

Eu e o Osmar do grupo Porto Cênico, no exercício de narração improvisada
Aparece uma cadeira no curso e ela nos convida para mais um enfrentamento. O jogo com a platéia a partir de uma cadeira, sem gags pré-concebidas, sem narrações fenomenais, sem couraças. O convite é aceito, no entanto, manter os quinze minutos de exercício sem inventar escudos para se proteger na fragilidade da exposição, nos deixa transtornados, afetados e desesperados. Procurar algo para se segurar é a primeira coisa que lhe ocorre na solidão da cadeira. Respirar é essencial, jogar com os olhos necessário, mostrar o palhaço é fundamental. A menor máscara do mundo é a que menos esconde e...
Por incrível que pareça toda essa exposição é boa, quando você percebe que os observadores estão rindo que de alguma maneira eles compartilham daquele momento contigo você se sente confortável no desconforto, e você não sabe se quer ficar ou ir embora,mas o palhaço quer ficar e ele fica e quando está acabando o tempo ele fica desesperado querendo alongar o tempo ganhando mais “dez miléssimas” de segundo.
Pepe sugere então que se imite a Gisele Bündchen, uma galinha, ou que se execute algumas outras ações, o que todos fazem com uma proeza ridícula.
E também existe aquele ator que quer sair o quanto antes da cadeira, esse começa a ganhar segundos e minutos, a todo o momento, aumentando o seu desconforto e provocando risos nos colegas de curso. Depois saio e antes de ir embora um até logo, pois o palhaço nunca diz adeus e sim até mais.
Assistimos a alguns filmes, recebemos material e referências para estudo e descobri até uma organização internacional, a palhaços sem fronteiras (http://www.clowns.org/).
O tempo que nunca deixa de bater contra os que esqueceram como se vive, não nos atingia, nos tornamos crianças, verdadeiras doutoras em não conhecer o tempo. Brincávamos numa íntima entrega.

Eu e Guilherme da Cia. Mutua, no exercício de narração improvisada
Vivemos mais um enfrentamento após mais alguns exercícios. Preparei uma música para apresentar, a melhor que podia apresentar para meus colegas, cada um tinha a sua. Em traje social vínhamos individualmente apresentar, no entanto, a surpresa (a surpresa que gera o riso). Havia pessoas em cena, elas interferiam na nossa apresentação de maneira boa ou má, e nos deixavam constrangidos ou extasiados.
O riso foi pedra fundamental da semana. Rimos dos outros e de nós mesmos. Rimos das circunstâncias. Rimos das rimas e dos ritmos. E o riso extravasa, enfrenta e substituía lágrima. Preparamos a nossa apresentação para a sexta-feira a noite, no “Aldeia Palco Giratório”, agora uma platéia que não era nossos colegas de curso, foi gostoso demais. Valeu a pena até mesmo por que a alma do palhaço não é pequena, então, sempre vai valer a pena. A menor máscara do mundo é... Depois saio e antes de ir embora um até logo, pois o palhaço nunca diz adeus e sim até mais.
A sexta-feira que é o dia do alívio no nosso sistema de cotidiano opressor, para nós havia se tornado no dia de se despedir de Pepe. Mas não foi um adeus, foi sim um até logo, pois, o palhaço sempre quer voltar...


Pepe Nunes, no espetáculo Bom Apetite

Um comentário:

Jô Fornari disse...

"A menor máscara do mundo é a que menos esconde e a que mais revela."
Isso é demais!!!
Até logo...